VANESSA CORREA DE SÃO PAULO
Apesar de protegido por processo de tombamento, um conjunto de
quatro sobrados dos anos 1940 veio ao chão na quinta passada em
Perdizes, zona oeste paulistana.
As casas faziam parte de um estudo do Conpresp (órgão do patrimônio
histórico municipal), aberto em setembro. No processo, 63 imóveis do
bairro seriam avaliados e poderiam ser tombados.
Os sobrados demolidos na rua Monte Alegre com a Turiassu estavam no
processo "por se tratar de um tipo de ocupação que predominou no período
entre 1940 e 1950, antes da verticalização da região", segundo o
Conpresp.
O dono, Carlos Manoel dos Santos Eloy Rodrigues Pereira, 58, afirma
que não havia sido comunicado sobre a abertura de tombamento e que
tinha o alvará de demolição. "Então, eu quero que vão para o raio que os
parta".
Ele diz que o conjunto foi construído pelo seu avô para obter renda
com o aluguel, "como fazia todo português". Afirma que vai construir um
prédio, também para locação.
O Conpresp diz que, como não havia autorizado a demolição, ela é
irregular, e, "constatados os danos", o proprietário pode ser multado.
A multa pode chegar a até dez vezes o valor do imóvel. O Conpresp pode ainda pedir o embargo de obras no local.
O poder do órgão, porém, é limitado. Muitos proprietários recorrem,
alegando não ter sido informados sobre o tombamento ou questionando os
valores das multas.
Grande parte delas não são pagas -os multados ameaçam ir à Justiça
devido à fragilidade das autuações.
Os conselheiros do Conpresp, que devem votar pela aplicação, temem responsabilidade judicial, segundo apurou a Folha.
Os conselheiros do Conpresp, que devem votar pela aplicação, temem responsabilidade judicial, segundo apurou a Folha.
O orçamento para 2011 vindo do fundo de multas é de R$ 800 mil. Mas
o valor de autuações é bem maior: só o dono de um imóvel, no Brás, foi
multado em mais de R$ 20 milhões.
O processo de aplicação foi revisado e será enviado "em breve" à Câmara, diz o órgão.
Destruição do patrimônio é ainda crime com pena de até três anos de reclusão, segundo a Lei de Crimes Ambientais.
Outro caso, bastante conhecido, foi o da mansão Mataraz-zo, na av.
Paulista, tombada em 1989. Tempos depois, bombas explodiram no subsolo e
suas estruturas foram comprometidas por vazamentos.
Os donos conseguiram, então, reverter na Justiça o tombamento e demoliram o imóvel.
Dúvidas sobre tombamento
1 - Imóveis tombados podem ser modificados?
Sim, mas só com autorização do órgão de patrimônio competente, como o Conpresp. Mudanças não autorizadas estão sujeitas a punição
Sim, mas só com autorização do órgão de patrimônio competente, como o Conpresp. Mudanças não autorizadas estão sujeitas a punição
2 - Qual é a punição para quem demole um imóvel tombado ou em processo de tombamento?
Embargo de qualquer obra no terreno e multa, que pode chegar a dez vezes o valor do imóvel. A destruição de patrimônio histórico também é crime, com pena de até três anos de reclusão
Embargo de qualquer obra no terreno e multa, que pode chegar a dez vezes o valor do imóvel. A destruição de patrimônio histórico também é crime, com pena de até três anos de reclusão
Análise
Desrespeito é duplo, porque inclui a lei e também a vontade dos moradores
NADIA SOMEKH ESPECIAL PARA A FOLHA
Nos anos 70, com o boom imobiliário advindo do BNH, que financiava as duas pontas da indústria da construção civil (a produção e a venda dos apartamentos), assistimos como corolário a destruição maciça do nosso patrimônio histórico edificado.
A criação do DPH (Departamento de Patrimônio Histórico), na mesma
época, e do Conpresp, em 1985, possibilitou uma reação positiva ao furor
de demolição.
A criação das Z8-200, modalidade do zoneamento/tombamento, em 1975,
permitiu um começo de proteção à nossa memória, mas carecemos ainda de
política efetiva de preservação dos bens culturais, não só com
instrumentos mais eficazes e incentivadores, prevendo penalidades
adequadas, mas também com uma conscientização mais ampla da sociedade e
dos empreendedores imobiliários.
Não podemos congelar a cidade, e valorizar o contemporâneo
significa modernizar, dar lugar ao belo, que inclui, essencialmente,
nossa memória.
É com tristeza que assistimos a destruição de um conjunto de casas
da década de 1940, em processo de tombamento a pedido da própria
população de Perdizes.
Isso significa um duplo desrespeito: com o conselho e com a lei,
que prevê punição de crime, e com a população, que tenta defender sua
história.
Ficamos mais pobres culturalmente quando perdemos nossa história.
Essa frase vem se repetindo recorrentemente nas cidades e,
principalmente, em São Paulo. "Da força da grana que ergue e destrói
coisas belas", como canta Caetano em "Sampa".
NADIA SOMEKH é professora da FAU Mackenzie e conselheira do Conpresp
Reportagem original da Folha de São Paulo:
https://acesso.uol.com.br/login.html?dest=CONTENT&url=http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/14615-casas-em-processo-de-tombamento-vao-ao-chao.shtml&COD_PRODUTO=7